11º K - "Deslumbramentos"

                                                                                                     

5ª aula - 26 de Setembro de 2007




Com palavras


Com palavras me ergo em cada dia.

Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto

e saio para a rua.

Com palavras – inaudíveis – grito

para rasgar os risos que nos cercam.


Ah! de palavras estamos todos cheios.

Possuímos arquivos, sabemo-las de cor

em quatro ou cinco línguas.

Tomam-nas à noite em comprimidos

para dormir o cansaço.


As palavras embrulham-se na língua.

As mais puras transformam-se, violáceas,

roxas de silêncio. De que servem

asfixiadas em saliva, prisioneiras?


Possuímos, das palavras, as mais belas;

as que seivam o amor, a liberdade…

Engulo-as perguntando-me se um dia

as poderei navegar; se alguma vez

dilatarei o pulmão que as encerra.


Atravessa-nos um rio de palavras:

com elas eu me deito, me levanto,

e faltam-me palavras para contar…


Egito Gonçalves




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5ª aula - 26 de Setembro de 2007



As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade




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5ª aula - 26 de Setembro de 2007



Um livro, mesmo um livro mau, é mais difícil de fazer que um prédio moderno de dez andares, salvo seja a opinião de senhores mestres de obras, íamos a dizer dos senhores arquitectos, que se ocupam com tais frioleiras. Um livro, visto na sua medula espiritual, bem entendido, saiu todinho, como se diz nas trovas à viola, da cabeça do autor.

Saiu-lhe do cérebro, e nada de jacto como Ateneia da cabeça de Júpiter. Saiu-lhe por borbotões como nas dragas, borbotões de massa encefálica, sangue, suor, desespero, através de dias e dias. O homem de letras, sem recorrer a tabelas, nem socorro de nenhuma ordem, terá ele, sem mais ninguém, esboçado a traça geral, disposto em partes, procedido a enchimentos, apurado a alvenaria que são as palavras, coisa viva e fugaz como sardinha no mar. Ninguém o vê à banca, de suor a escorrer-lhe pela fronte. Mas é bem possível que gema, uive, se arrepele, dê punhadas na cabeça renitente.

Aquilino Ribeiro

In Dicionário Houaiss:

  • BORBOTÃO - substantivo masculino

1 jacto forte e volumoso; caudal, jorro, borbulhão

Ex.: borbotões de petróleo

2 saída impetuosa de fluido gasoso; rajada, lufada, golfada

Ex.: b. de vento

  • FRIOLEIRA - substantivo feminino

1 incidente, acontecimento etc. sem importância; futilidade, ninharia, frivolidade

2 comportamento, gesto estúpido, insensato, tolo; parvoíce, patetice

  • RENITENTE - adjectivo e substantivo de dois géneros

que ou aquele que renite, que teima ou não se conforma; obstinado, pertinaz, inconformado




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3ª aula - 20 de Setembro de 2007




A CAMINHO DE MONSARAZ

- Disseste ponto de fuga?

- Disse.

- Onde fica?

- Além, no infinito… móvel como o teu olhar…

- Conheço um fotógrafo ambulante que anda em busca dele.

- A sua loucura. A loucura dos pintores, desde há séculos, muito antes de ser inventada a fotografia.

- Tu és pintor. Mostra-me como isso é.

- Vem comigo dar um passeio. Vou pintar um quadro. Verás.

- Eu também quero ir.

- Eu também.

- Eu também.

- Eu também.

- Eu também.

- Se pensais que vou ficar aqui sozinha, estais muito enganados.

[…]

Fernando Campos, Viagem ao Ponto de Fuga





 

2ª aula - 19 de Setembro de 2007


CRÓNICA

Miguel A. Santos Guerra

cenouras, ovos e café

Uma aluna minha contou-me que está destroçada. Faleceu-lhe uma amiga (a morte chega sempre de forma tão absurda quanto dramática) e o evento abateu-a. A ela ofereço a seguinte história, que pode ser generalizada a qualquer situação adversa da vida de uma pessoa.

Uma filha queixava-se ao pai pelos problemas que tinha e por tudo lhe parecer tão difícil. Não sabia o que fazer para seguir em frente e sentia que acabaria por ser derrotada. Tudo lhe saía mal e parecia que a solução de um problema era sempre a origem de outro problema mais grave.

O seu pai, que era cozinheiro, levou-a ao seu local de trabalho. Ali encheu três panelas com água e colocou-as ao lume. Rapidamente a água de todas as três começou a ferver. Numa das panelas, o pai colocou cenouras, noutras meia dúzia de ovos e na terceira colocou alguns grãos de café. Depois deixou tudo ferver, sem dizer uma palavra.

A filha esperou impacientemente, perguntando a si própria o que estaria o pai a fazer. Após vinte minutos o pai apagou os três fogos. Tirou as cenouras e colocou-as numa travessa. Tirou os ovos e colocou-os num prato. Finalmente verteu o café para um terceiro recipiente.

Olhando a filha, disse:

- Querida, o que é que estás a ver?

- Cenouras, ovos e café, disse ela, surpreendida.

Então, o pai disse à filha para pegar nas cenouras. Ela assim fez e reparou que estavam moles. Depois o pai pediu-lhe que tocasse nos ovos e os abrisse. Ela assim fez e, ao tirar a casca, reparou que o ovo tinha endurecido. Em seguida pediu-lhe que provasse o café. E ela sorriu ao sentir o calor aromático que exalava da taça.

Humildemente, a filha perguntou:

- O que significa isto, pai?

E ele explicou que os três elementos haviam enfrentado a mesma situação, a água a ferver, mas que haviam reagido de maneira diferente. A cenoura entrou na água dura, mas saiu dela mole. Pelo contrário, o ovo entrou frágil na água, mas saíra da água a ferver com o interior endurecido. Os grãos de café, contudo, eram únicos, pois haviam conseguido transformar a própria água a ferver.

- Qual destes serás tu? – perguntou então o pai à sua filha. Quando a adversidade te surge, como reages? És uma cenoura que parece forte, mas que, quando tocada pela dor, se torna débil e perde a força? És um ovo que começa com um coração frágil. Possuis um espírito fraco, mas depois de uma morte, de uma separação ou de um problema tornas-te forte e dura? Por fora pareces igual, mas tornas-te amarga e áspera, com o espírito e o coração endurecido pela dor? Ou serás como o café, que transforma a água a ferver, sendo no ponto de ebulição que o café alcança o seu máximo sabor? Se és como o grão de café, quando as coisas pioram tu reages melhor e melhoras as circunstâncias e as pessoas que te rodeiam.

A filha pensou na lição. A sua resposta perante o engenhoso convite do pai a superar as dificuldades só provocou nela um silêncio meditativo e a resposta de um beijo.

Esta é uma lição muito útil e bela. Podemos confirmar em qualquer dia, em qualquer local de trabalho, em qualquer etapa da vida, que com as mesmas circunstâncias há pessoas amargas e pessoas felizes…

Correio da Educação, nº 244, 9 de Janeiro de 2006 (texto com sup.)







O PROVÉRBIO:

Se deres um peixe a um homem faminto, vais alimentá-lo por um dia.

Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida

lao tse




 


ano lectivo de 2007 - 2008








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