11º K - "Deslumbramentos"

                                                                                                     

63ª aula - 3 de Março de 2008






HISTÓRIA DE UM PARTO

Com vinte e quatro anos medroso e um diploma de médico, tinha começado a minha vida em Monsanto. Ali, a província bravia despede-se da campina, ergue-se nos degraus das fragas para olhar com altivez as serras de Espanha, enquanto o friso de planaltos que corre as linhas da fronteira espreita as surtidas do contrabando e a fuga dos rios.

Aquele povo soturno, endurecido a subir e descer abismos, frutificando uma terra alheia, pressentiu o perigo da minha inexperiência. Os camponeses vinham ao consultório fechados em meias palavras, avaliando os meus dotes de mágico, e nas suas faces obstinadas havia apenas desconfiança e desafio. Algumas vezes a morte estava ali entre mim e eles, troçando da minha humildade apavorada e nem assim me davam um estímulo: duros, invioláveis, lá lhes parecia que um bom médico não precisa de arrimos. Muitos anos atrás outro colega tinha sofrido o mesmo ambiente em despique com bruxas, leiloado na praça pública a votos e a murros e apesar de tudo vencera. Essa gente granítica, com ossos a esticarem uma pele morena, esperava de mim como esperara e exigira do antigo médico, antes de o aceitar, a prova indiscutível que decidisse da minha reputação: um parto por exemplo com o seu assombroso mistério, as suas horas de mortificada expectativa. O parto sempre representou aos olhos do povo uma hora solene: nele se apostam duas vidas e também as qualidades de arrojo, calma e saber de um profissional. O curandeiro pode ser insultado na sua banca de Fígaro ou no instante aflito de uma sangria de urgência, mas a comadre, a velha suja talhada em pedra enrugada, sem sorrisos nem lágrimas, que espreita a nossa entrada no mundo, tem fama e pão certos até ao fim dos tempos.

Deu-se por essa altura, na aldeia, um casamento pomposo e, como tal, estava indicada a presença ornamental do médico. Lá fui eu, sob a vaga promessa de ser acompanhado pelo amigo boticário, homem de vagas de génio que ajudavam a espertar os dias ensonados daquele desterro. Calhou-lhe vir também à boda o colega que me precedera no partido médico. Entretanto, a uma légua de estafa, para lá dos barrocais retalhados nas gargantas dos penedos, uma camponesa gemis, havia quatro dias, as dores de parto: e desde que a comadre confessara a inutilidade dos seus préstimos, justificando-se com a criança atravessada no ventre, nada restava fazer, salvo a ciência do doutor. A família veio por aí acima, entregue ao passo conformado daqueles heróicos jericos de Monsanto, que galgam e se firmam nos pavorosos declives dos caminhos. Trazia consigo um problema de parto e de cortesia: dois médicos estavam nessa tarde na aldeia, lado a lado, à mesa de uma festança. Um tinha cumprido em dois anos de partos, dores, aflições: o outro era um imberbe João Semana, que nada garantia. Mas sendo eu médico avençado – eis a cortesia em jogo – o posto pertencia-me, devia ser procurado para o trabalho e para o pago. E a família acabou por correr o risco: seria eu o escolhido. Para mim o transporte do burro, o sobressalto, a apreensão pelo que poderia acontecer. O meu nervosismo ainda foi avivado por uma rude prova de fraqueza dos campónios: sucedeu que, mal eu chegara junto da esmorecida parturiente, me confessaram, com ressaibos de deferência, as dúvidas que haviam tido na minha escolha!

E ali fiquei, humilde, embrutecido, perante a comadre escura que me vigiava. Os olhos dela, vorazes, eram mais temíveis do que esse ventre desgastado de esforços vãos, do que a bacia estreita que se opunha à vida. Esperei minutos, horas, para me dispor àquilo que desde logo me pareceu indicado: uma intervenção com os medonhos ferros que são o pesadelo das parturientes e das famílias aldeãs. Até que a comadre, não suportando já as minhas hesitações, levou à frente das palavras um dedo sujo, antes que eu pudesse simular uma reacção, e enfiou-o nesse abismo insondável. E disse, sem meias-tintas:

– Se quer fazer alguma coisa, senhor Doutor, saiba que a criança está nas nalgas. Está presa no osso da robadilha.

Aquela frase ficou inteira nas minhas recordações, ainda hoje me assusta os ouvidos.

Num mutismo que não dava esperanças a ninguém, pensava que caminho devia escolher: expulsar dali a comadre, desempenhando de vez o meu papel, procurando aliviar-me de todos os pesos e dúvidas estranhas que enredavam as minhas decisões de médico, ou esperar que algum imprevisto viesse robustecer-me a ridícula posição.

Dentro do quarto, sufocando a mulher, além de mim e da comadre, completavam o ambiente as vizinhas e conhecidas, lobregamente vestidas de negro, umas abanando com o lenço o suor frio da parturiente, outras enxotando as moscas, em gestos moles e ritmados, outras, ainda, hirtas de expectativa, e todas agigantando-se como juízes proféticos.

Os homens, o pai e o marido, esperavam cá fora, sentados numa laje que ocupava quase todo o pátio, onde se abria um canal para esgoto das urinas escapadas das furdas. Vim junto deles desafogar os pulmões no ar fresco e livre. O pai da parturiente, um homem resignado, esperou-me com uns olhos em que havia prece. Sentámo-nos os três, derreados, por uns minutos. Então, pedi ao marido que fosse à vila buscar-me ferros. O velho levou as mãos à cabeça e escondeu os olhos. Eu devia encorajá-lo, dar-lhe um sinal daquele apoio de que eu próprio precisava: era ele a única pessoa em quem verdadeiramente sentia uma dor sem censuras. Mas não confiei nas minhas palavras e voltei para dentro de casa.

O útero da mulher revigorara-se com os estimulantes, contorcia-se no esforço de se libertar. A tarde estava quase no fim, uma tarde espessa, afrontada, que de súbito se vinha agachar sobre as árvores e sobre as casas. A comadre, ao ver-me em jeitos de nova observação, tornou com os seus conselhos:

– É nas nalgas, senhor Doutor.

Quando voltei ao pátio, o velho espremia as mãos e falou-me como se tivesse as maxilas retesadas.

– É a minha única filha. Salve-as, senhor Doutor. Somos pobres, não temos dinheiro, nunca o tivemos, mas eu vou trabalhar até ao fim da minha vida para lhe pagar. Mas salve-a!

Dei-lhe um cigarro e disse com simplicidade:

– Isto está a demorar. Mas vai. Espere que o seu genro me traga os ferros.

– Vai raspá-la?

– Que ideia! É uma ajuda. Custa um bocadinho, mas fica logo aliviada.

O homem chegou, por fim, desfigurado de suor. Enquanto ferviam os ferros, uma das assistentes recomendou-lhe afectuosamente:

– Vai comer alguma coisa. Ainda estás em jejum.

– Não tenho fome.

– Mas precisas.

Deu-lhe um pão de vários quilos de peso. Rijo e embolorado. O homem raspou meticulosamente o bolor, abriu o pão ao meio, tornou a esfarelar os ninhos verdes e comeu, com vagares. A mulher deu-lhe ainda azeitonas, carregadas de sal. Depois ele despejou nas goelas uma bilha de água.

Eu já sabia que aquele povo subalimentado iludia o estômago com litradas de água e pilhas de verdura, às vezes ervas do campo, numa sede provocada pelo sal dos alimentos. E assim, entulhando-o, calava aquela ânsia de plenitude.

Quando os ferros foram dispostos para a intervenção, um rumor correu a assistência. As mulheres deram passos inquietos e inúteis pela sala, balbuciaram rezas, lacrimejaram, a parturiente gemeu desconsolada, a comadre empertigou-se de gravidade. A mão da rapariga ainda tentou deter-me: varava a minha face imberbe, agora resoluta, procurando dentro de mim uma decisiva garantia.

– Será mesmo preciso, senhor Doutor? Não poderíamos esperar?

– Não, já esperámos muito tempo, minha senhora.

De memória, eu ia revendo precipitadamente as ilustrações dos tratados, as técnicas, enquanto vaselinava as colheres. Receava ter errado a posição da criança, temia amachucar o ser que viria para a vida pelas minhas mãos, obcecava-me o acaso de hemorragias, colapsos, traumatismos, e via diante de mim um recém-nascido ferido e deformado. Duas vidas estavam à mercê daqueles minutos próximos. Deles dependiam ainda o meu próprio futuro e o pesar ou o júbilo daqueles que me rodeavam. A par dos tratados, também mentalmente estava ali comigo o velho, na sua imagem de dor humilde e silenciosa. Teria preferido vê-lo a meu lado, de angústias solidárias, nós ambos e a sua filha, depois de enxotados os corvos.

Gemidos, silêncio, o morno das respirações, uma luz vacilante e fúnebre de azeite, e depois de muitos esforços dos meus pulsos e dos meus nervos, de sentir que os ferros desentranhavam não só a criança mas também todo aquele ventre dorido, a cabeça do recém-nascido rompeu para o mundo. Gritei uma ordens, com uma voz já imperante, protegido por aquilo que, após a timidez e a dúvida, sentia como um triunfo. A criança chegou às minhas mãos, mãos heroicamente ensanguentadas, sem uma beliscadura. Tirei-a depois com ostentação dos dedos engelhados da comadre, lavei-a com carinho, feliz, alvoroçado. Amava-a como se me pertencesse.

Eu, agora, dominava o ambiente. Dominava os corvos e, entre eles, o mais sinistro: a comadre. Ela, então, ergueu as mãos, em transe:

– Milagre! Vi nascer centenas de meninos, vi horas boas e más, mas um trabalho destes… A criança está aí sem um arranhão. Onde eu chegar, senhor Doutor…

E ficámos amigos.

Cá fora esperava-me uma noite afogueada de Outono. O velho tinha aparelhado o jerico e engolia saliva a todo o momento, ondulando o pescoço, mudo de emoção. De chapéu erguido, os olhos brilhantes, esperava que eu partisse. Entesado numa posição de sentido, quedou-se de chapéu em jeito de bandeira, até que desapareci na dobra da rua. E só depois conseguiu rouquejar:

– Obrigado, senhor Doutor! Obrigado. Viva!, para sempre!

Fernando Namora, Tinha Chovido na Véspera



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62ª aula - 28 de Fevereiro de 2008

I

1. Atente no primeiro parágrafo do texto.

1.1. Embora o motorista fosse um ser misterioso, o que mais intrigava o narrador era o próprio carro. Explique porquê.

1.2. Copie do texto os vocábulos que fazem parte do campo lexical de mar.

1.3. Evidencie a ligação feita entre algumas partes do carro e elementos marítimos.

2. A partir do segundo parágrafo, o narrador introduz uma personagem feminina.

2.1. De que forma a própria mulher se integra no “ambiente aquático” criado no primeiro parágrafo?

2.2. “Dir-se-ia que se prestara a servir de modelo, diante de um pintor académico, para um retrato muito convencional…”

2.2.1. Faça o levantamento dos fragmentos textuais que justificam esta observação do narrador.

3. A fórmula com que se inicia o texto – “Noites e noites a fio…” – condiciona a sua construção em termos temporais.

3.1. Identifique o tempo verbal predominante no texto.

3.2. Explique a sua relação com a expressão temporal referida em 3.

4. Nos excertos textuais que se seguem, substitua as palavras sublinhadas por outras com igual valor:

_ “E era tão-só com um gesto negligente desta mão, mas tão-só com a rotação lentíssima do pulso…”

_ “Então, mal eu me sentava, sem um ruído o carro punha-se em marcha”

II

Quem era esta mulher misteriosa? Por que razão teria escolhido o narrador para a acompanhar, noite após noite? Para onde iriam?

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62ª aula - 28 de Fevereiro de 2008



A MULHER MISTERIOSA

Noites e noites a fio, quase de madrugada, desenrolava-se a mesma cena: um grande automóvel preto – um carro americano de antes da guerra, talvez um De Soto dos anos trinta – parava de repente ao pé de mim. O motorista, fardado de negro, mantinha-se muito hirto no seu lugar; eu não chegava sequer a ver-lhe o rosto. Mais me intrigava aliás o próprio carro, que parecia ter estado debaixo de água – ou ter sido fabricado no fundo do mar -, embora não apresentasse, na carroçaria, nenhum vestígio de humidade. Mas o capot faiscava, na sombra, como no dorso de um cetáceo; o flanco fusiforme dos faróis denunciava não sei que secreto comércio com os peixes; e a porta de trás, que vinha agora de entreabrir-se – sem que ninguém lhe houvesse tocado –, evocava irresistivelmente, pelo crebo (1) palpitar em que ficara, o inquietante mistério de uma guelra.

Dentro, na outra extremidade do banco, reclinava-se um vulto de mulher cingido num vestido de lamé. Era um vestido de noite, de modelo já antiquado, que por inteiro lhe ocultava as pernas e os pés: a partir da cintura, todo fosforescia, como a cauda de uma sereia.

Havia, no porte dessa mulher, qualquer coisa de hierático, e ao mesmo tempi qualquer coisa de irónico, como se quisesse mostrar – por uma espécie de jogo que não chegava a tomar a sério – o reverso daquilo que sentia. Dir-se-ia que se prestara a servir de modelo, diante de um pintor académico, para um retrato muito convencional, apenas com o fim de troçar intimamente do pintor e do retrato, de si própria e da pose que adoptara. Entre os dedos da mão esquerda – que vinha, enluvada de preto, descansar-lhe no regaço – apertava as varetas cerradas de um leque de marfim. A mão direita, igualmente mergulhada numa luva preta de canhão alto, firmava-se no assento do banco. E era tão-só com um gesto negligente desta mão, mas tão-só com a rotação lentíssima do pulso, que me saudava e convidava a entrar, que me apontava o lugar a seu lado. Então, mal eu me sentava, sem um ruído o carro punha-se em marcha.

David Mourão-Ferreira, “Nem tudo é história”, in Amantes e Outros Contos

(1) crebo – frequente, amiudado, repetido

(2) hierático – majestoso e rígido; sagrado



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60ª aula - 25 de Fevereiro de 2008


Escolhemos a mesa do terraço, de luzes reflectidas na água profunda e espessa. Os navios, imóveis e enigmáticos, pareciam monstros que tivessem esperado pela noite para vir à superfície. Só os barcos que ligavam as duas margens, de olhos fosforescentes, nos libertavam desta sensação de que a cidade, desprevenida, se deixara sitiar pelo rio.

- Foste esta manhã ao hospital?

- Decerto.

- Muitos doentes?

Clarisse não insistiu. De olhos fitos na vastidão sonolenta das águas, seguindo-lhes, com ar absorto, o estremecimento subterrâneo, que às vezes refluía como uma mancha de óleo, ela estava, no entanto, de pensamentos a léguas dali. Bem lhe percebi a ausência. Estalei com os dedos a chamar o criado.

- Para começar, dois martinis. – E dirigindo-me a Clarisse: - Hoje, este jantar vai ser com todas as regras. Aprovas?

Ela acenou que sim. O lampião rente ao muro do terraço dava-lhe uma tonalidade crua. A beleza surgia assim estranhamente artificial ou mortificada. Mas, pelo meu lado, assaltara-me um desejo imbecil e urgente de boa disposição.

- Queres então que te fale da minha consulta de hoje… Aí vai: observei um homem das Beiras, com o rosto bochechudo da cor do salpicão, e reformado da Câmara. A sua doença era essa, julgo: uma reforma que o obrigava a trazer fundilhos nas calças. Depois, uma algarvia. Padecia de tudo, muito particularmente de uma língua infatigável. Etc. Estás satisfeita? Claro que, de todas as vezes, eu repetia o estribilho: «Não é para esta consulta.» Levo os dias a repetir as mesmas coisas. Estas e outras, como um papagaio.

A mão de Clarisse segurou-me um dos braços. Impedia-me, assim, de dizer mais baboseiras. Eu bem sabia porque ela me falava do hospital, dos doentes. Já outras vezes o fizera, obliquamente, esperando que eu lhe contasse cenas e casos que lhe mordessem os nervos, enquanto se fechava a toda a insinuação para que reatasse os tratamentos. Mas eu estava atento.

Fernando Namora, Domingo à Tarde

  1. Onde e quando tem lugar o encontro referido no texto?
  2. Qual a actividade profissional do narrador. Justifique.
  3. Em que estado de espírito parece encontrar-se Clarisse? Porquê?
  4. Por que razão se sente o interlocutor assaltado por «um desejo imbecil e urgente de boa disposição»?
  5. Que faz ele para concretizar esse desejo?
  6. Atendendo ao breve relato da consulta daquele dia, com que impressão se fica do narrador e do modo como realiza o seu trabalho?
  7. Que razões levavam Clarisse a falar com frequência do hospital e dos doentes?

II

  1. Esclareça o sentido de:

- ela estava, no entanto, de pensamentos a léguas dali

- este jantar vai ser com todas as regras

- uma reforma que o obrigava a trazer fundilhos nas calças

- padecia […] de uma língua infatigável

- cenas e casos que lhe mordessem os nervos.

  1. Redija frases que incluam verbos da família de:

- noite

- doente

- papagaio

- insinuação

III

Relembre, usando diálogo e em cerca de vinte linhas, um encontro especial com um amigo.




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57ª aula - 18 de Fevereiro de 2008

Ouvia-se o vizinho a roer nova dose de tremoços. […] A locomotiva do café chiava, exausta. Pelo mármore do balcão, escorria a espuma que transbordava dos copos de cerveja, rasados por mão afeita.

- Falaste do fim da guerra? – sibilou o pai. – Ainda vem longe, sabes? A tua imaginaçãozinha de trazer-por-casa faz-te acreditar na fábula para imbecis de que o Hitler está derrotado, não? Bem te enganas. Tão certo como eu estar vivo.

- Não, pai! Não se trata disso! Eu disse «quando a guerra acabar», acabe ela quando acabar.

- A guerra? Não acaba tão cedo, rapaz! Isso é história de ceguinhos! Cantam-na pelas ruas, trá-la-ri, trá-la-rá, mas está para dar e durar.

- Mas, pai, eu quero é saber se, quando ela acabar, o pai me autoriza a…

- Sim, sim! Queres então ir lá para fora, não é isso?

- Foi esse teu amigo que te meteu a coisa na cabeça?

- Não, pai. Ele só me trouxe de Lisboa os preços eventuais duma estada neste ou naquele país. Para eu escolher. Trouxe-me também programas e cursos. As estimativas são razoáveis. Pouco mais do que gasto em Coimbra.

- E que irias tu fazer?

- Pensei em ir para uma escola têxtil. Não gosto de Ciências… É tão frio!

- Não gostas de nada! Porque havias de gostar de Ciências? E porque hás-de gostar dessa coisa do Têxtil? Falta-te qualquer coisa lá por dentro, és oco, não gostas de nada.

- Gosto, pai. Acredite que sim. Eu gostaria tanto de ir lá para fora! A indústria têxtil vai ter uma enorme saída. Falei com um tipo do ramo, lá da Covilhã. Entusiasmou-me imenso. Depois da guerra… será um trunfo.

Fernanda Botelho, in A Gata e a Fábula

I

1. Situar no tempo e no espaço o diálogo transcrito. Justificar com o texto.

2. Que plano tem o filho? Que motivos o levaram a conceber tal plano?

3. Qual o estado de espírito do jovem?

4. Como reage o pai, ao ouvi-lo expor esses planos?

5. Que opinião tem o pai acerca do próprio filho?

6. Que tipo de relação entre pai e filho nos deixa o diálogo entrever?


II

Explicar por palavras próprias o sentido de:

1. isso é história de ceguinhos

2. está para dar e durar

3. ir lá para fora

4. É tão frio

5. vai ter uma enorme saída

6. será um trunfo

III

preposições

Completar as frases seguintes, inserindo as preposições adequadas, se necessário contraindo-as com o determinante artigo.

1. Eles emigraram ________ o Brasil ________ em 1961, ali continuando ________ ser agricultores, como ________ sua terra.

2. ________ que motivo é que a irmã ________ Joana não foi hoje ________ a escola?

3. ________ há três anos ________ cá, já trabalhou ________ cinco empresas diferentes, uma ________ quais ________ Marrocos.

IV

substantivo-adjectivo-verbo

Exemplos:

dia – diário/diurno – adiar

estímulo – estimulante – estimular

sorriso – sorridente – sorrir

1. favor _____________ _____________

2. _____________ juvenil _____________

3. _____________ mole _____________

4. _____________ _____________ alarmar

V

Em 15/20 linhas, dar conta das reflexões já feitas sobre o futuro percurso académico.

Eu pensei em ir para…


 

13ª aula - 15 de Outubro de 2007



Século Vinte e Sete, Cidade de Alcochete

No século vinte e sete, na cidade de Alcochete, vivia o Sr. Roquete, que vendia sabonete.

A cidade de Alcochete era uma bela cidade, com prédios de mil andares e fábricas aos milhares. Tinha jardins com árvores fingidas e flores de plástico, rampa de foguetões e outras atracções, entre elas uma praça de touros fenomenal, com touros de aço, telecomandados.

Só havia um senão, na cidade de Alcochete…era um certo cheirete, que subia do antigo rio Tejo, transformado no maior cano de esgoto da Península Ibérica, e descia de um enorme chapéu de fumo das chaminés industriais.

Por isso o Sr. Roquete vendia tanto sabonete.

Sabonete de limão para quem cheirava a alcatrão.

Sabonete de ananás para quem cheirava a água-rás.

Sabonete de manjerico para quem cheirava a penico.

Com o dinheiro dos sabonetes, o Sr. Roquete ficou rico e comprou o que as pessoas ricas costumavam comprar: um prédio para morar, um carro para andar, um foguetão para viajar.

O prédio que comprou ficava num bairro moderno, onde os arranha-céus eram tão juntos que a luz do sol nem no Verão lá conseguia chegar.

Farto de escuridão, meteu-se no automóvel para dar um giro, mas era tal o trânsito que levou dois dias a percorrer as Avenidas Centrais e, quando finalmente quis estacionar, só arranjou lugar na vizinha cidade de Santarém.

Irritado, saltou para o foguetão. Queria conhecer mundo, iria viajar pelo ar. Em má hora o fez, porém: com tão densa fumarada em toda a terra, não chegou a ver nada e o que lhe valeu foi o radar para não chocar com milhões de outros foguetões.

Como as pessoas ricas, mandou construir fábricas: uma fábrica de bifes em pó, outra de bombas invisíveis, outra de tecidos magnéticos que repeliam as nódoas… e mais três chaminés começaram a esguichar fumo encarnado, preto, amarelo.

O ar tornou-se tão irrespirável que as pessoas passaram a usar máscaras de oxigénio. E quem diz as pessoas, diz os cães e gatos de luxo, as vacas leiteiras, os porcos, os carneiros. Os outros animais iam a pouco e pouco morrendo, naturalmente.

O fumo entrava nas casas, toldava tudo, da porta já não se vislumbrava a janela…

Até que, certo dia, ao sentar-se como habitualmente no cadeirão, o Sr. Roquete, num espanto horrorizado, verificou que dali já não podia ver a televisão.

- De que me serve ser rico? De que me serve ser rico! – barafustou ele.

Num ímpeto de fúria, saltou para o super-foguetão, acelerou, acelerou, até que o fumo se fez névoa, claridade total e ao longe surgiu uma bola azulada.

Aproximou-se, accionou o mecanismo de aterragem, descendo finalmente num planeta desabitado.

O ar era fresco, leve. E, melhor que o perfume do sabonete de Alcochete, era o cheiro real do limão, do ananás, do manjerico.

O Sr. Roquete construiu uma cabana, semeou horta, plantou pomar e sentia-se completamente feliz quando… viu chegar outro foguetão.

Mais um homem que fugia da Terra em busca do paraíso.

Na semana seguinte poisaram duas famílias completas…

Na outra, apareceu uma excursão de trezentos empreiteiros.

Um mês depois iniciaram-se as escavações para alicerces, asfaltaram-se ruas, montaram-se esgotos.

A fama do novo planeta alastrava.

Cidades inteiras se despovoavam. A Terra ia ficando vazia.

No planeta maravilhoso começaram a deitar abaixo os primeiros limoeiros para erguer arranha-céus, a transformar os campos de ananases em fábricas e taparam-se com lixeiras campos de manjericos.

Até que, um dia, o chapéu de fumo do novo planeta atingiu as casas, entrou pelas janelas, impediu o Sr. Roquete, sentado no cadeirão, de ver televisão.

Então o velho, valeroso vendedor de sabonete, sem se dar por vencido, saltou para o foguetão, soltou o travão, carregou num botão, acelerou, acelerou, acelerou para além do fumo, da névoa, rumo à claridade e viu ao longe um planeta lindo, luzindo como uma lanterna.

Aproximou-se através da noite.

Desceu numa pista abandonada e, quando olhou em volta, reparou que estava na cidade de Alcochete. Os automóveis tinham enferrujado, os prédios eram gigantes silenciosos e em cada chaminé havia um ninho de cegonhas.

Foi andando à toa pelas ruas desertas até ao rio. Amanhecia. Do Tejo, limpidamente azul, subia o livre perfume da maresia.

Luísa Ducla Soares, Três Histórias do Futuro




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12ª aula - 11 de Outubro de 2007



Organizadores discursivos

Assim...
Deste modo...
No que a (x) diz respeito...
Daqui decorre que...
Não há dúvida de que...
Acresce que...
Soma-se a esta situação...
A somar-se a esta situação está...
Consequentemente...
Inversamente...
Simplesmente...
Justamente...
Vemos então que...
Devemos notar que...
Fica claro que...
Noto que...
Devo notar que...
É de sublinhar...
Sublinho que...
Não posso deixar de referir...
Em boa verdade...
Consideremos que...
Para além disso...
Ora...

Em contrapartida...
De facto...
Na realidade...
Em oposição...
Ao contrário...
Da conjunção destes factores resulta que...
É certo que ... mas também não é menos...
verdade que…...
Enquanto que...
Em contrapartida...
Em todo o caso...
Em virtude de...
Um outro facto/ tipo/ elemento/ causa...
Como referi acima...
Por outras palavras...
Dito de outro modo...
Tal equivale a dizer que...
Se virmos bem...
Afinal...
É fundamental perceber...
Enquanto isso...
Daí que...
A verdade é que...





 

10ª aula - 8 de Outubro de 2007


* Comentar:

"Só vemos com «olhos de ver», quando confrontados com situações-limite".

* Continuar o conto.

* Reflectir:

Só para ter existido valeu a pena existir. A maior recompensa de vida é ela própria. Creio que em tudo o que disse não disse afinal outra coisa. Creio que de tudo o que me fascinou nada me fascinou mais do que a vida, o seu mistério, inesgotável maravilha. Dou o balanço a tudo quanto me acontece, e a vertigem de ter vivido absorve e aniquila o que aí falou e mentiu. Foi bom ter nascido. Foi bom ainda não ter acabado de nascer...

Vergílio Ferreira, Conta Corrente




 

7ª aula - 1 de Outubro de 2007



Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.


Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.


Fernando Pessoa




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7ª aula - 1de Outubro de 2007



O segredo é amar


O segredo é amar. Amar a vida

com tudo o que há de bom e mau em nós.

Amar a hora breve apetecida,

ouvir todos os sons em cada voz

e ver todos os céus em cada olhar.


Amar por mil razões e sem razão.

Amar, só por amar,

com os nervos, o sangue, o coração.

Viver em cada instante a eternidade

e ver, na própria sombra, claridade.


O segredo é amar, mas amar com prazer,

sem limites, fronteiras, horizonte.

Beber em cada fonte

florir em cada flor,

nascer em cada ninho,

sorver a terra inteira como um vinho.


Amar o ramo em flor que há-de nascer

de cada obscura, tímida raiz.

Amar em cada pedra, em cada ser,

S. Francisco de Assis.


Amar o tronco, a folha verde,

amar cada alegria, cada mágoa,

pois um beijo de amor jamais se perde

e cedo floresce em pão, em água!


Fernanda de Castro, Trinta e Nove Poemas




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